terça-feira, 19 de agosto de 2014

Sobre um amigo português

A Lenda do Caixeiro viajante...
Enquanto o acompanhava para sair da loja já ensaiava o ritual de despedida. Um nó de saudade já constringia a minha garganta. Havia agora o homem de sair, tomar seu carro alugado, ir ao hotel fazer as malas e em seu quarto solitário dobrar suas próprias meias, dirigir ate Guarulhos, devolver o carro, tomar o ônibus para campinas e amontoar-se com os outros na fila do check in.
Todo um processo de viagem de volta para casa, uma romaria de 6 horas até que o avião levantasse voo.  Em seu estômago um modesto almoço de botequim partilhado com o amigo. Daí mais onze horas castigando a coluna entre cochilos e avisos de turbulência onde imagina os seus netos ansiosos pelo seu retorno.
Em seu lar também lhe aguarda a mulher amada, mas sabe que apesar dos seus 36 anos da convivência hesita em dizer-lhe tudo que sente, economiza elogios, ele os tem em mente, mas  guarda-os como amuleto de uma promessa de vida feliz.
Faz parte de seu charme franzir a testa e ocupar-se em manter-se ocupado, os alicerces de seu mundo são os pensamentos e raciocínios constantes. Retira energia dia após dia do éter que preenche a atmosfera comercial e calça seus sapatos para percorrer intermináveis jornadas de trabalho. Esta é sua parcela da vida, esta é a maneira de dizer aos seus queridos que os ama, luta por eles e não se abate. O reconhecimento de seu trabalho pelos que ama talvez seja-lhe a melhor declaração, a recíproca afirmação de amor.
Além disso tem charme, é claro, não há brigas com o espelho e tem ciência de si.
Quem o conhece é capaz de perceber graça mesmo quando está ranzinza. Graça ao admitir seus erros. Quem o conhece ou o odeia ou o atura.
Entre uma conversa e outra por vezes admite: “ A João tem o carisma não tem?” Com um sorriso satisfeito de ter cortejado a moça certa num baile romântico. Seus olhos vagam no ar enquanto remexe em pensamentos nos adjetivos de sua amada. Até que volta para si e os guarda lá na sua caixa de amuletos e preces que faz em silencio.
Teimoso como um asno quando cisma com alguma coisa. Não perde uma boa briga, o coração pulsa em sua jugular e é capaz de enfrentar qualquer um, inclusive em línguas que desconhece. Não há farda ou cargo que o intimide, o sangue irriga-lhe o cérebro em questão de milésimos de segundos e dispara a conjugar retóricas afiadas em qualquer que seja o assunto e repito, mesmo em idiomas que desconhece!
Enfim é a pessoa que entrou em nossas vidas há um tempo atrás, e que mesmo em meio a tempestade tem energia para consolar aqueles que queixam-se com a brisa.
Dizem que um amigo ouve atentamente quando o outro entoa melodias em seus momentos felizes, para que as repita quando estiver triste. Que esta carta seja uma partitura para que não esqueçamos esta bela melodia.
Sei que vida não é só brilho, temos nossos segredos, erros e vergonhas, lembro-me de uma frase de profundo significado, quando questionaram a um espanhol sobre a existência de bruxas. “Que los hay, hay. – Pero no mucho!”

Gande abraço e boa viagem amigo!

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